Memória falha
Data de publicação: 30 de maio de 2022
Coluna: Kerley Carvalhedo
Colunista: Kerley Carvalhedo
Outro dia, estava dando uma palestra em uma cidade do interior de São Paulo, e ao final da palestra, uma mulher de, sei lá, uns 40 anos de idade, entrou na fila para pegar autografo — após eu autografar — ela que estava com uma mochila nas costas, me chamou para o lado, retirou da mochila um pacote com papel de presente, e disse em voz baixa ao meu ouvido:
— Aqui dentro tem dois livros, e uma carta, a carta é mais importante.
Agradeci e voltei a atender os que, com parcimônia esperavam na interminável fila. Mais tarde, no hotel, pensei em abrir o embrulho, mas o cansaço me venceu primeiro, afinal, na noite anterior eu tinha tido uma noite mal dormida, sem contar que na mesma madrugada eu pagaria outro voo e para ir a mais um evento, só que dessa vez em outro estado, no brasileiro.
Depois da palestra, dei uma entrevista para a tevê e gravei um podcast. Voltei ao hotel destruído, a única coisa que pensava era descansar.
Minto. Deus é testemunha de que tive vontade de me levantar, pegar o embrulho e ler a carta que aquela leitora desconhecida me entregado.
Dia seguinte, depois do café, era hora de arrumar a mala e voltar para casa. Já na sala de espera, o inesperado acontece: meu voo atrasou. Aproveitei para procurar um cafezinho e tentar amenizar o estresse que estava preste a torna-se em desespero. Com o copinho de café entre os dedos, caminhei até a recepção do hotel do aeroporto. Resolvi que ia olhar ler a carta — abri a mala, peguei o embrulho e o coloquei sobre a mesinha ao lado da poltrona, a qual eu estava sentado — e já estava prestes a abrir — anunciaram o embarque — o meu portão que era o cinco agora era o nove. Apressado, peguei a mala, e fui direto para o embarque.
Em casa, depois de um bom descanso, levantei-me decidido a desarrumar a mala e ler o que estava escrito na carta — ao abrir a mala descobri que o embrulho não estava — ficara na mesinha do hotel. Liguei para recepção na esperança de terem guardado, mas ninguém o encontrou.
Não foi descaso, juro, guardo uma enorme coleção de cartas, objetos e livros que recebi dos leitores por aí. Foi um pequeno momento de esquecimento. Em todas essas coisas, fiquei triste ao lembrar do presente que fora embrulhado com tanta delicadeza e uma carta escrita à próprio punho (ou não), mas que nunca foi lida.
Fiquei preocupado comigo mesmo por tamanho esquecimento e triste pela moça que nunca soube do verdadeiro paradeiro do seu presente.
Imagem/Pexels
